Era uma vez um brotinho de maçã que vivia suspenso em uma frondosa macieira.
Todos os dias, junto com seus irmãos, recebia a preciosa seiva de sua mãe para crescer e, um dia, tornar-se uma apetitosa maçã madura.
Tinha em seu imo o mesmo nobre desejo de toda fruta: O de doar-se para, através de sua morte, dar surgimento a uma nova vida.
Porém esse pequeno broto era muito orgulhoso. Queria ser a mais vermelha e suculenta de todas as maçãs. Sonhava com os elogios que receberia pelo seu sabor e sua textura...
O simples pensamento de que poderia não ser a melhor do todas as maçãs o deixava com medo...
Como viver sabendo que outra maçã, que não fosse a que dele proviesse, seria a preferida?
E esse medo foi crescendo... Tomando outros contornos... Fazendo-o se preocupar mais com os outros ao seu redor do que consigo mesmo.
Certa vez observou que outras maçãs mais velhas do que ele, após amadurecerem completamente, começavam a escurecer e a perder seu sabor, apodrecendo em seguida.
Logo percebeu que esse também seria o seu destino...
Se desesperou, pois queria perpetuar seu tão esperado futuro de forma incomparável, e passou a buscar maneiras de alterar o seu inevitável destino.
Após longa reflexão, chegou a conclusão de que a razão do seu crescimento e consequente amadurecimento era o mesmo: A seiva que recebia de sua mãe.
Passou então a rejeitar essa seiva, acreditando assim que retardaria seu processo de envelhecimento e morte.
Porém o que ocorreu não era o que ele esperava... Não podendo mais penetrar em seu coração, mas mesmo assim amando-o, a seiva da árvore mãe começou a cobrir aquele pequeno broto exteriormente, como se buscasse protegê-lo...
Camada após camada a seiva foi cobrindo o pequeno broto, que foi se tornando maior, porém sem alterar seu interior. Cada remessa de seiva de sua mãe tornava-se uma nova camada a encerrá-lo dentro de si mesmo.
Não se sabe ao certo quanto tempo passou, nem quantas remessas de seiva ele recebeu, o que se sabe é que, em determinado momento, a conexão que o ligava à sua mãe se desfez.
Aquele ser caiu de onde estava e foi parar no chão escuro da floresta. Viu a sua volta uma escuridão que só uma noite sem luar pode proporcionar.
Enfim percebeu o que havia feito. Sentiu uma imensa vergonha.
Procurou envolver-se em uma folha seca que encontrou no chão para disfarçar sua nudez e enfiou-se na terra afim de esconder um pouco sua miséria.
Assim surgiu a cebola, do que outrora deveria ser uma frondosa e suculenta maçã.
Para nos lembrar de sua pobre desdita, a cebola nos faz chorar toda vez que despimos sua casca.
Pois o despir-se causa grande dor, mas é a única forma de penetrarmos em nosso imo.
Esse choro sempre nos remeterá às nossas próprias cascas e nos fará lembrar da seiva do criador...
Que como ela, um dia negamos...