quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O Eterno Destino da Cebola


Era uma vez um brotinho de maçã que vivia suspenso em uma frondosa macieira.

Todos os dias, junto com seus irmãos, recebia a preciosa seiva de sua mãe para crescer e, um dia, tornar-se uma apetitosa maçã madura.

Tinha em seu imo o mesmo nobre desejo de toda fruta: O de doar-se para, através de sua morte, dar surgimento a uma nova vida.

Porém esse pequeno broto era muito orgulhoso. Queria ser a mais vermelha e suculenta de todas as maçãs. Sonhava com os elogios que receberia pelo seu sabor e sua textura...

O simples pensamento de que poderia não ser a melhor do todas as maçãs o deixava com medo...

Como viver sabendo que outra maçã, que não fosse a que dele proviesse, seria a preferida?

E esse medo foi crescendo... Tomando outros contornos... Fazendo-o se preocupar mais com os outros ao seu redor do que consigo mesmo.

Certa vez observou que outras maçãs mais velhas do que ele, após amadurecerem completamente, começavam a escurecer e a perder seu sabor, apodrecendo em seguida.

Logo percebeu que esse também seria o seu destino...

Se desesperou, pois queria perpetuar seu tão esperado futuro de forma incomparável, e passou a buscar maneiras de alterar o seu inevitável destino.

Após longa reflexão, chegou a conclusão de que a razão do seu crescimento e consequente amadurecimento era o mesmo: A seiva que recebia de sua mãe.

Passou então a rejeitar essa seiva, acreditando assim que retardaria seu processo de envelhecimento e morte.

Porém o que ocorreu não era o que ele esperava... Não podendo mais penetrar em seu coração, mas mesmo assim amando-o, a seiva da árvore mãe começou a cobrir aquele pequeno broto exteriormente, como se buscasse protegê-lo...

Camada após camada a seiva foi cobrindo o pequeno broto, que foi se tornando maior, porém sem alterar seu interior. Cada remessa de seiva de sua mãe tornava-se uma nova camada a encerrá-lo dentro de si mesmo.

Não se sabe ao certo quanto tempo passou, nem quantas remessas de seiva ele recebeu, o que se sabe é que, em determinado momento, a conexão que o ligava à sua mãe se desfez.

Aquele ser caiu de onde estava e foi parar no chão escuro da floresta. Viu a sua volta uma escuridão que só uma noite sem luar pode proporcionar.

Enfim percebeu o que havia feito. Sentiu uma imensa vergonha.

Procurou envolver-se em uma folha seca que encontrou no chão para disfarçar sua nudez e enfiou-se na terra afim de esconder um pouco sua miséria.

Assim surgiu a cebola, do que outrora deveria ser uma frondosa e suculenta maçã.

Suas várias camadas ainda cobrem seu velho broto que hoje mal existe. Mas se o procurarmos com cuidado, ainda poderemos encontrá-lo, escondido em seu centro...

Para nos lembrar de sua pobre desdita, a cebola nos faz chorar toda vez que despimos sua casca.

Pois o despir-se causa grande dor, mas é a única forma de penetrarmos em nosso imo.

Esse choro sempre nos remeterá às nossas próprias cascas e nos fará lembrar da seiva do criador...

Que como ela, um dia negamos...

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

O Medo de Tú


Eis o Medo...

Eis a raiz... A razão do "ser"

Base sólida do que repudio e devorador do que acreditei um dia ser.

Cega-me com suas correntes, oculta-me a percepção de que, na verdade, nunca enxerguei.

Como escolher quando só se conhece um caminho?

Reitero assim minhas certezas. Me defendo do que julgo impurezas...

E cá sempre estou. Oculto na negra névoa que me envolve e interpenetra.

Te desafio a me dares algo além de ilusões. Muros que caem. Correntes que rebentam...

A paz nunca será encontrada, pois nem mesmo nasceu...

Que outros a busquem entre seus próprios escombros.

Pois destas vãs tentativas, me cansei...

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Menino


Ontem tive saudades...

Saudades de um menino...

Seu saltitante caminhar iluminava as ruas do antigo bairro em que morava, pelas tardes de um verão eternal.

Seus pés acariciavam os ríspidos troncos das árvores, deixando-as orgulhosas em lhe ceder sua vitalidade, conquistada a duras penas em terrenos tão agrestes...

O seu alento preenchia a vida de muitos, pois o que recebia do mundo era devolvido sem demora, como acontece com toda criança.

Lembro de seu rosto iluminado pelo sol enquanto buscava quimeras nas nuvens do céu, quase sempre encontrando uma forma inexistente ou um nome que nunca pôde ser repetido.

Cada haste seca da sibipiruna que encontrava, era imediatamente levada a boca como prova de sua gratidão em receber tão refrescante sombra de um ser tão maravilhoso.

Para ele, o telhado de sua casa era um refúgio que o permitia enxergar cada vez mais longe... Para além dos horizontes de si mesmo.

Lembro de suas noites ao luar, onde cada estrela era um mundo onde habitava outro menino, a lhe mirar insistentemente.

Lembro de como ele se aconchegava no regaço materno, que num instante se tornava a mais indevassável fortaleza.

Lembro também de seu sorriso maroto, em suas vãs tentativas de se esquivar de flagrantes consumados.

Mas afinal, menino que não é travesso, não é menino!

De passo em passo, de salto em salto, o menino não pensava muito em seu amanhã, pois intuía que esse amanhã não tem rédeas, é incontrolável, tal qual ele mesmo...

Quanta agitação e quanta alegria causavam esse tão doce pirralho!

Seus feitos ainda ecoam nas memórias póstumas de um passado longínquo...

Esse menino, agradeço, ainda vive... e viverá para sempre, perdido em algum ponto do espaço/tempo. 
World Of Warcraft, WoW Short Sword