Lá estava eu, a caminhar pelas ruas de Bauru, minha cidade natal.
Ao olhar para o alto, vi algumas belas pipas voando no céu.
Que lindas! Faziam traçados curiosos e imprevisíveis, cortando nuvens e alegrando aquele belo dia de verão.
Foi quando, após um choque coordenado de linhas se cruzando, uma delas se soltou...
Se debatia vertiginosamente no ar, como querendo achar um ponto de apoio em meio ao caos de movimento.
E eis que, pra minha grata surpresa, a pipa veio diretamente na minha direção, como se os deuses tivessem me escolhido para ter a posse daquele objeto maravilhoso.
Estiquei levemente o braço e segurei com muito cuidado a pipa em minhas mãos. Ela estava perfeita. Pronta para ser novamente atada a uma linha e cortar os céus novamente.
Me virei feliz para voltar para casa, mas minha alegria foi interrompida por várias vozes distintas e olhares de cobiça:
- Ei moleque. Devolve essa Pipa!
Era uma turba de meninos, com latas de leite em pó e varas de bambu nas mãos.
Eles demandavam que eu entregasse aquele precioso objeto (que agora era meu por direito segundo as leis não escritas das ruas) a eles.
Não pensei duas vezes perante a injustiça. Comecei a correr.
Corri em direção a minha casa e no início logrei certo êxito na fuga.
Mas minha condição física finalmente se impôs, e notei que cada vez mais eles diminuíam a distância do objeto cobiçado e de seu novo dono.
O que pensei e fiz naquele instante marcou minha vida.
É uma sensação que revisitei em alguns momentos.
Limito-me a observar e procuro não julgar aquele franzino menino que buscava aquele perene momento de glória, em meio a tão boa oportunidade...
Eis que sentindo as forças se esvairem e a iminência de ser separado de minha posse, fui tomado pelo desespero, e o que existe de mais primitivo em mim tomou o comando da Nau.
Em um último movimento, como quem sabe que vai cair e acaba levando seu algoz junto, voltei minha indignação e ferocidade para o objeto desejado. Deixando-o em mil pedaços.
- Se eu não posso ter, ninguém terá! Disse o imperador orgulhoso ao ver sua obra ruir...
O baque nos meninos foi tão forte, que me sobrou tempo de correr para casa e sair ileso da situação.
Demorou um pouco até que eles entendessem que eu havia destruído o sonho de todos simplesmente por não poder tê-lo só pra mim...
E esse foi o fim da Pipa... Da nossa Pipa.
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