terça-feira, 27 de março de 2012

Palavras ao Vento


No seio da terra, nas mais profundas cavernas corre o sangue da terra: A lava fervente.

Todos já ouvimos a expressão: Estou com o sangue fervendo! E a usamos quando estamos furiosos.

Isso é uma verdade velada que nos foi passada através de uma expressão, válida em várias línguas diferentes. Nosso sangue pode realmente ferver e inflamar-se.

Atlover conhecia essa verdade e a utilizava para seus propósitos.

Quando desejava algo, era mestre em inflamar seu sangue para lutar pelo objetivo desejado.

Quanto mais inflamado estava seu sangue, mais fácil era influenciar outros a segui-lo, pois as pessoas deixam de raciocinar quando estão enfurecidas.

Assim acabavam lutando contra problemas que na maioria das vezes elas mesmas causaram, seja por omissão ou por ignorância.

Atlover reclamava das injustiças da vida, desde muito jovem.

Reclamava que quando sua avó morreu, ele nunca mais pôde comer o seu delicioso pão.
Mas enquanto ela esteve viva, nunca se preocupou em aprender a receita.

Reclamava que as pessoas eram egoístas, mas sempre era o primeiro a enfiar um doce inteiro na boca para não dividir com os outros.

Reclamava que o planeta estava cada vez mais poluído, mas nunca se deu conta da sujeira que gerava cada vez que preferia jantar em um Fast-Food, ao invés de fazer comida em casa.

Reclamava que sua vida era chata e rotineira, mas nunca se mexeu um palmo para que ela mudasse. Era como seu antigo professor dizia: A ação nasce do pensamento. Como podemos ter novas atitudes se continuarmos pensando como sempre fizemos?

Conforme crescia seu sangue fervia com maior intensidade.

As vezes nem se dava conta se a causa era nobre ou não. Isso não importava! O importante era dar vazão aquela torrente de magma que brotava em seu ser.

E assim viveu muitos anos, como um vulcão sempre prestes a entrar em erupção. Não escolhia entre bons e maus. Todos os que estivessem ao seu redor poderiam sentir o calor do magma e as labaredas de sua língua. Ele assim gerava conforto e novos impulsos em alguns e desgraça e morte para outros.

Um dia estava a caminhar em uma praça até chegar ao seu centro. Viu então um velho gari limpando a sujeira de uma fonte. Foi até ele e perguntou:

- O senhor não acha o mundo injusto? Por que uns têm que ter mais do que os outros? Não acha que lhe faltou oportunidade na vida?

O velho gari respondeu: 

- O que o fez pensar que sua vida é melhor do que a minha? A ponto de o senhor poder julgar que o mundo foi injusto comigo, ou que não tive oportunidade? Julga pela minha aparência? Saiba que sou muito instruído, e na melhor escola que existe. A Vida.
- Meu nome é Airomem. Já fui de tudo nessa vida. Já fiz de tudo e a vida já me deu muito. Não me fale em oportunidades, pois eu já tive e tenho muitas.
- Sabe qual é a diferença entre nós dois? É que eu me lembro de cada chance desperdiçada, de cada passo  tomado por impulso e de cada vez que agi com o meu sangue fervendo, abrindo mão de tudo e de todos.
- Você quer crer que o mundo é injusto, tudo bem, mas saiba que a fonte da injustiça é você. Cada um só enxerga aquilo que quer ver.
- Se o seu mundo é belo, não procure a beleza no mundo, e sim em você.
- Se o seu mundo é injusto, saiba que você é causa da injustiça.

Atlover ouviu atônito as palavras do velho. Ele apenas queria ajudar, mas ouviu uma resposta diferente da que estava acostumado. Normalmente as pessoas divagavam um pouco e concordavam que a vida era assim mesmo. Colocavam a culpa em alguém, geralmente os governantes, e depois seguiam seus caminhos.

Mas Airomem não! Ele tinha jogado a responsabilidade de volta a Atlover.

O sangue de Atlover ferveu, quando tentou dizer algo o velho respondeu:

- Meu caro amigo. Já sei aonde isso vai nos levar. Já passei por isso antes. Você vai dizer vários argumentos que, na verdade, já são imutáveis para você. Caso eu não concorde, você irá acreditar que tenho uma visão distorcida do mundo e que a sua é a melhor. Dará com os ombros, virará as costas e se sentirá melhor, pois acreditará ter feito "a sua parte". Sendo assim o poupo de tagarelar. Pode seguir seu caminho agora.

E continuou a limpar a fonte.

Emudecido, Atlover ficou parado por alguns instantes e pela primeira vez na vida sentiu um estranho cansaço.

Ficou cansado de toda a tagarelice e dessa eterna falta do que falar.

Quando virou-se para ir embora o velho o chamou:

- Poderia me ajudar um pouco? Já não tenho mais a velha força de antigamente. Me sinto cada vez mais fraco.

Atlover pensou: Porque não?

Pegou a vassoura das mãos do velho e começou a varrer a sujeira da fonte. A cada varrida sentia como se estivesse se tornando mais leve.

Então o velho ficou sentado observando e sorriu. Atlover tinha aprendido que o melhor caminho para a mudança era o exemplo pessoal e não palavras soltas ao vento.

Um comentário:

  1. Ana Paula Argondizzo2 de abril de 2012 às 19:11

    otimo!!!! identifiquei-me com alguns trechos...mas hoje posso dizer que não sou mais tanto Atlover assim, já vivi algumas coisas e tento ser e pensar mais como o Airomem...

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